ANPD determina suspensão cautelar do tratamento de dados pessoais para treinamento da IA da Meta

ANPD determina suspensão cautelar do tratamento de dados pessoais para treinamento da IA da Meta

Foi publicada recentemente, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a medida preventiva que interrompe a vigência da nova política de privacidade da empresa Meta. O motivo alegado foi que a política autorizava o uso de dados pessoais publicados em suas plataformas para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial (IA) de maneira divergente às leis e regulamentos em torno da privacidade e proteção de dados no arcabouço normativo brasileiro. 

Enfrentando diversas afirmações da inércia da Autoridade, foi estabelecida uma multa diária de R$ 50 mil por descumprimento. A análise da ANPD tocou em diversos pontos cruciais no tratamento de dados para o treinamento de IAs, como o uso inadequado do legítimo interesse para tratar dados sensíveis, a falta de transparência na utilização das bases de dados, a dificuldade em exercer o direito de exclusão dos dados (opt-out) – assumindo que o legítimo interesse seria a base legal mais adequada – por conta do uso de padrões enganosos e o risco do tratamento indevido de dados pessoais de crianças e adolescentes. 

Em seu voto, a Diretora Miriam Wimmer destaca uma das constatações preliminares necessárias para a expedição da medida preventiva, que seriam os padrões enganosos. Não tão problematizados e conhecidos pelo termo em inglês “deceptive patterns”, esses padrões são elementos de design que influenciam visitantes de um site a fazerem escolhas não intencionais e potencialmente prejudiciais. Anteriormente eram conhecidos como “dark patterns”, mas o termo foi abandonado devido a preocupações com conotações racistas. Esses padrões podem aparecer em diversos tipos de sites, usando botões com títulos enganosos, opções difíceis de desfazer e elementos gráficos como cores e sombreamento para desviar a atenção dos usuários de opções potencialmente prejudiciais. Assim, coletam o consentimento ou adesão dos titulares de maneira suspeita. 

No caso da empresa Meta, foi possível reconhecer essa prática na dificuldade na opção de opt-out para os usuários que desejam se opor ao tratamento de seus dados. A opção não é claramente apresentada, e o processo para exercê-la é complexo, semelhante a um padrão de mascaramento de informações, demandando a realização de várias ações para informar à empresa sobre sua oposição ao uso de seus dados e para exercer os direitos previstos no artigo 18 da LGPD. Isso pode levar os usuários a tomar decisões contrárias à sua vontade devido ao número elevado de etapas necessárias.

Mas além dessa preliminar, outros pontos foram suscitados, como a utilização de fundamentação jurídica inapropriada para o tratamento de dados pessoais; omissão na divulgação de informações límpidas, precisas e de fácil acessibilidade acerca das modificações na política de privacidade e no tratamento efetuado; restrições exacerbadas à efetivação dos direitos dos titulares; e processamento de dados pessoais de crianças e adolescentes desprovido das salvaguardas necessárias.

Dessa forma, devidamente fundamentada no caso em questão, a Medida Preventiva da ANPD apresenta-se como uma ferramenta usada pelos Diretores para garantir a proteção efetiva dos direitos dos titulares de dados, prevenindo danos graves ou irreparáveis. Em situações urgentes, como a apresentada, pode ser aplicada sem consulta prévia ao interessado e pode incluir multa diária por descumprimento das obrigações impostas. Nesse cenário, foi possível enxergar a atuação ativa da Autoridade em relação à intersecção dos temas de Proteção de Dados e Inteligência Artificial, evidenciada pela formalização da proposta da ANPD como órgão de coordenação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA) através da solicitação do senador Eduardo Gomes (PL/TO) em seu parecer sobre o PL 2338/23, referente ao Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil.

A atitude ativa da Autoridade evidencia a relevância cada vez maior da adequação de plataformas e empresas em relação aos princípios, regulações e leis sobre o tema. A adesão de um programa completo de privacidade torna-se uma parte essencial do desenvolvimento de grandes até pequenas empresas, com o intuito de protegê-las de possíveis sanções, que podem atingir diretamente sua imagem e confiança com seus colaboradores e clientes, permitir uma maior organização e segurança dos fluxos de informação, entre outros motivos que solidificam a importância do processo de adequação.